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Sonetos de Fergi Cavalca

A gata e o rato

 

Assentado no lombo do bichano,

Bem tranquilo, em delícias de soneca,

Um ratinho com a face bem moleca

Sequer sonha com um perigo insano.

 

Ali se instala, ano após ano...

E o felino  ― uma gata bem furreca,

Sem instinto, brincando de boneca

Como se fosse simples ser humano.

 

A gata é comilona e com certeza

Gostaria de tê-lo à sobremesa

Como se fosse mero roedor.

 

Mas aí é que mora a beleza:

Pois a gata, contra a natureza

Quer apenas passar o seu amor.

 

Fergi Cavalca

 

Miséria

 

Menino magro, tua cara esquelética

Num ricto de dor, amargo, escarnecido,

Mostra na lágrima que rola patética

 Para o asfalto frio, um mundo sem sentido.

 

Ao teu lado a multidão caminha cética

Sem ver a tua dor de órfão esquecido.

És uma imagem fria e sem estética,

Um lixo esperando que seja removido.

 

Vagueias triste por esquinas e cafés

Recolhendo, na passagem, os pontapés

Que a vida te pespega a toda hora...

 

 Ninguém vê que atrás dessa fachada

 Maltrapilha, de criança abandonada,

 Existe um ser que, embalde, chora!

 

A ALMA APRENDE

 

Virtudes são exemplos de fragrância,

São perfumes recolhidos na existência,

Aprendizados repletos de paciência

Ou sofridos sacrifícios desde a infância.

 

Mas na vida, muitas vezes a inconstância

Marca fundo o ditame da consciência;

E o saber santo da Divina Ciência

Perde-se completamente na distância.

 

Quem sabe até, se nas linhas do futuro

Encontro luz p’ra iluminar-me a mente

Que, teimosa, permanece no escuro...

 

E na ânsia de viver eternamente

Em um ambiente livre e seguro,

Aceito humilde meu fardo no presente.

 

Fergi Cavalca

Maio 2011

 

 

UM IPÊ FLORIDO

 

Um pé de ipê floresce além, na serra,

Uma explosão, de flores amarelas...

Pétalas tão lindas, vivazes, belas...

Árvore símbolo de nossa terra.

 

Nesse ipê, que tinge as aquarelas

D’um quê transcendental, que a alma encerra

Na cor da primavera que descerra

A beleza que pinta suas telas...

 

Obrigado Senhor, que olhos deste

A este servo teu, tão pequenino,

Que absorve tua imagem celeste...

 

Cascata exuberante de ouro-fino,

Do amarelo singelo e agreste

Que comove meu coração menino.

 

Fergi Cavalca

Maio 2010

 

 

BRUMAS

 

Beijar-te é apenas um gesto catatônico,

Talvez um lance escalafobético...

Já não te vejo com um sentido estético,

Quiçá prefira o teu amor platônico.

 

Um amor magro, feio, esquelético,

Que na surdina já se tornou afônico;

E tão veloz, tal e qual um supersônico

Afastou-se com um vigor atlético.

 

Se persistir será um sopro gélido

Que apesar, mesmo, deste dia tórrido

Esfriará meu coração tão trôpego...

 

Lá no meu rosto cinério e pálido

Embotará minha face lógica

Magoando meu semblante plácido.

 

Fergi Cavalca

Maio, 2011

 

FOTOSSÍNTESE DO ESPÍRITO

 

Pelas raízes as árvores profundas

Sugam seiva plena de excremento

Convertendo em líquido alimento

Essas matérias orgânicas imundas.

 

A profundeza do homem, complemento

De sentenças inconscientes, oriundas

Das fraquezas humanas, um pensamento

Fútil, cego e de consequências fundas.

 

A luz do sol transmuta a seiva bruta

Através da fotossíntese em glicose

Que no fruto se transforma em mel.

 

Também no homem a luz que vence a gruta

Transmuta em ouro as paixões, overdose

De boa virtude que nos eleva ao céu.

Junho 2011

 

 

Amizade

( para Aylton)

A amizade é maravilhosa...

E faz-se bela quando o amor existe

E alegra até o coração mais triste

Tornando a vida muito mais gostosa.

 

Seja em sonetos ou em boa prosa,

Em belas horas que ao tempo resiste,

Musiquinhas que ao coração conquiste

Ou então numa tertúlia prazerosa

 

Entre goles de café ou vinho tinto,

Filosofias que enchem de prazer

Até sábios de Atenas ou Corinto...

 

Mas nos trazem gotinhas de saber,

Felicidade que agora sinto

E sentirei, mesmo após morrer.

 

Julho 2011