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Conhece-te a ti mesmo

Gnōthi seauton (conhece-te a ti mesmo)

Por Fergi Cavalca

Segundo a tradição dos historiadores, a frase acima estava estampada no frontispício do Templo que abrigava o “Oráculo de Delphos”. Atribui-se a sua autoria à primeira pítia que profetizou naquele estabelecimento; segundo antigos alfarrábios chamava-se ela “Fenomoe”.  

Thales de Mileto, um dos mais proeminentes sábios do período pré-socrático, usava frequentemente esse dístico como norma para suas posições filosóficas plenas de lições e exemplos dignificantes que ativam o desempenho daqueles que almejava progredir na senda do conhecimento humano.

Mas, sem sombra de dúvidas, foi Sócrates que insistindo no embasamento de que o conhecimento passava por um perpétuo e variável fluxo, conforme expunha em sua maiêutica ― a forma de partejar ideias ―, quem mais se valeu desta máxima para exemplificar sua filosofia. O indivíduo se transforma exteriormente dentro da sociedade em que vive, mas isso não implica em evolução interior que possa amoldar a suas ideias e transformá-las pelo simples saber; esse saber é até mesmo superficial, sem qualquer aprofundamento de sua própria natureza. Conhecer-se a si mesmo, no entanto, é uma prática que exige desprendimento total do indivíduo para avaliar conscientemente seu potencial humano, seja físico, psicológico ou espiritual.

Voltando ao nosso mundo de hoje onde devido ao dinâmico e surpreendente desenvolvimento tecnológico que se amplia com velocidade vertiginosa, o homem não consegue acompanhar com a mesma rapidez o acréscimo ético e moral que seriam importantes para seu proveito. E por esse motivo recrudesce a violência, o crime, o sexo desenfreado, os vícios, as drogas, a prostituição e quantas outras falhas de caráter houver frutos do profundo egocentrismo da natureza humana.

Uma das características do homem de forma generalizada e impessoal é o seu profundo apego à vida material, aos prazeres e à satisfação de suas vontades. Isso ele faz, geralmente, de forma mecânica e sem pensar nas consequências que seus atos trarão para o seu próximo; dificilmente há um juízo das atitudes tomadas... Ele pensa isso sim, nas vantagens que poderão resultar de suas atitudes em benefício próprio, em seu lucro e, principalmente, em seu bem-estar. No máximo incluirá sua família na fila dos que usufruirão vantagens, mesmo assim, em poucas situações. Um estudo sério de suas fraquezas ou potencialidades, o desdobramento de seu caráter, o conhecimento de suas reações psicológicas ou outros fatores que dão notícia e ciência de sua personalidade, são raridades na sociedade moderna.

E dessa maneira torna-se difícil o sentimento do “você” aparte do “eu”. Jesus alertava a humanidade pra o grande mandamento: “Ama teu próximo como a ti mesmo”.  Como a ti mesmo, ressalto, pois essa é a única maneira de mostrar o amor incondicional que cada indivíduo exprime por si, já que o outro sempre será o ‘outro’; um supérfluo que não participa de nosso ego. De uma maneira geral o conceito que temos de nossa própria individualidade é muito superior àquilo que seria prudente para quem deseja evoluir nos caminhos da vida.

O mérito consiste em entender o quanto o prestígio da máxima grega gnōthi seauton”(conhece-te a ti mesmo) pode se refletir na modificação do caráter individualizado... Quando praticada, mesmo de forma empírica, essa norma age sobre o ego produzindo uma atitude equilibrada perante o mundo. E se cada um conhece suas possibilidades seu respeito cresce, e então passará a observar melhor outras formas, sejam elas humanas, animais ou minerais; é uma participação individual com reflexos coletivos, pois englobar-se-á em cada um dos ritmos e dos reinos da natureza.  Mas acima de tudo é preciso que sua vontade já desmembrada do egoísmo açambarque a totalidade do ser.

Conhecer a si mesmo é estabelecer os limites de sua natureza animal e despertar as glórias de sua síntese espiritual; é colocar-se em sua posição de criatura perante O Todo, a Realidade Substancial que se une à Verdade Fundamental.

Uma ocasião li um conto cuja autoria é imputada a Sri Ramana Maharshi, um santo hindu de grande conteúdo místico e esotérico e que sempre estou reproduzindo como exemplo de atitude; ele traz uma mensagem interessante e mostra de forma satisfatória a postura entre os conhecimentos exterior e interior que cada ser consciente deve ter para si mesmo.

“Ainda que Ribhu (o Mestre) ensinasse a seu discípulo a Suprema Verdade de Brahma, a Realidade Única, Nidagha (o discípulo), a despeito de sua erudição e entendimento, não tinha a necessária convicção para seguir o Caminho do Conhecimento (Jnana). Assim sendo, retornou Nidagha para sua terra natal, adotando uma vida devocional, seguindo o cerimonial religioso.

Mas o Sábio amava seu discípulo tanto quanto este o venerava. A despeito da idade avançada, Ribhu resolveu-se a ir pessoalmente até sua província. Assim poderia acompanhar os progressos conquistados por seu discípulo na vida ritualística. O sábio viajava incógnito. Assim poderia observar melhor as ações de Nidagha, sem que este se soubesse observado.

Foi então que Ribhu, chegando disfarçado ao rústico vilarejo, avistou Nidagha todo compenetrado, assistindo a uma procissão real. Sem ser reconhecido pelo cidadão Nidagha, o velho homem perguntou-lhe a respeito de toda aquela movimentação. Foi logo informado que o rei seguia em procissão.

Oh, mas é o rei! Seguindo em procissão! Mas... diga-me... aonde está ele? questionou o pobre rústico.

Lá, no elefante! respondeu logo Nidagha.

Você diz que o rei está no elefante... Sim, eu vejo os dois, mas... qual é o rei, qual é o elefante?

O quê! exclamou o discípulo , não sabe que o homem acima é o rei e o animal abaixo é o elefante? De que vale dirigir a palavra a um homem como você?

Bom homem, não perca a paciência com um pobre ignorante como eu , implorou o velho mendigo , mas... você disse acima e abaixo... o que significa isso?

Nidagha não podia mais suportar:

Você vê o rei e o elefante, um acima, outro abaixo. E ainda quer saber o que entendo por 'acima' e 'abaixo’ gritou Nidagha. Se coisas vistas e palavras proferidas podem convencê-lo tão pouco, somente a ação pode ensiná-lo. Abaixe-se e saberá tudo isso 'muito bem’.

O velho fez o que foi dito. Nidagha subiu em seus ombros e disse:

Saiba agora então, eu estou acima como o rei e você abaixo como o elefante. Está claro o suficiente? 

Não, ainda não foi a resposta do humilde velho , "você disse que está acima e é o rei e eu estou abaixo e sou o elefante. O rei, o elefante, acima, abaixo, tudo isso está muito claro. Mas... poderia me dizer o que entende por 'eu' e 'você'?  

Ao ser confrontado repentinamente com o problema máximo de definir o ‘você’ aparte do ‘eu’, a luz tomou sua mente. Desceu imediatamente, prostrando-se aos pés de seu Mestre, e disse:

Quem senão meu venerável Mestre Ribhu poderia fazer emergir a Consciência das superficialidades da existência física para a Única e Verdadeira Realidade do Ser? Oh, Mestre benigno, sou grato por tua benção. OM TAT SAT  (Que a paz esteja com todos!).

Ninguém disse que trilhar a senda era fácil! Aliás, é tão difícil que apenas uma pequenina porcentagem da humanidade seria capaz de entender esses preceitos e uma porcentagem menor ainda, de praticá-los. Mas a perseverança é uma qualidade que fornece àqueles que a cultivam a possibilidade de atingir a meta final. Só atingimos o cume da montanha se nós escalarmos o primeiro lance da subida; o topo da escada é um privilégio de quem pisou o primeiro degrau. Os graus evolutivos se estabelecem dessa forma peculiar e não adianta querermos ultrapassar etapas, pois elas são conseqüentes e, se não as seguirmos na ordem específica não conseguiremos nosso intento... Dar um passo maior do que a perna pode levar ao tropeço e comer o pedaço maior do que a boca, ao engasgo!

Por isso o grande filósofo de Atenas repetia incansavelmente: “Queres entender a síntese do Universo? Então conhece-te a ti mesmo!