Uma Sombra - Poema Místico

Uma sombra

Poema místico

Autor: Fergi Cavalca

Estava posto em silencio,

Em prece, em oração...

Quando u'a mão me tocou

Nos ombros suavemente.

Vislumbrei, ou só senti

Um vulto, lembrando um véu

Tênue, diáfano, leve...

Entretanto, tinha olhos

E estes me verrumavam

No âmago de minh'alma.

 

Lendo meus pensamentos,

Mergulhando em meu espírito,

Espalhou pelo meu corpo

Fluidos mornos, sadios.

Não senti medo da sombra

Pois sua presença, cálida,

Mostrava que vinha apenas

Satisfazer-me a vontade,

Pois era pelos coitados

Que eu orava ao pé da cruz.

 

― Vem comigo ― disse o vulto,

E tomando das minhas mãos,

Juntos alçamos vôo

Em busca do infinito.

Trêmulo, receoso,

Cheio de ansiedade,

Segui o fantasma. E corria

Com a rapidez do pensamento,

Que das coisas que existem

É a mais veloz, mais sublime...

 

Subimos sobre a cidade,

Mas a cidade dos mortos...

Uma atroz melancolia

Carregada de tristeza,

Eivada de amarguras,

Constrangia o coração.

Escuridão e abandono

Nas avenidas estranhas,

Onde os mortos desfilavam

Ao som de roucos lamentos.

 

Não havia um vivente!

E todos que ali estavam,

Alguma dor carregavam

Dentro das suas almas.

Homens velhos ou mulheres,

Jovens, meninos, adultos,

De seus semblantes marcados,

De seus suspiros profundos,

A mágoa e o desespero

Brotavam espontaneamente.

 

Era noite e pelos becos,

Retorciam-se as sombras!

E seus gemidos pungentes

Subiam aos nossos ouvidos.

Senti um nó na garganta,

Meu coração se indagava:

― Porque este sofrimento

Tão cruel, tão doloroso,

Que brota do peito fundo

Destes seres desgraçados?

 

Respondeu-me o espectro

Com a voz profunda e grave:

― São eles a dor do mundo!

Em cada guerra que cresce,

Em cada crime que nasce,

Nas violências da vida,

Na crueldade do homem,

No jugo, na tirania,

Que ferem a liberdade

Como satânico algoz.

 

― Nos caminhos sem amor,

Do engano e da hipocrisia,

Da perfídia e traição,

Da avareza e da inveja,

Do orgulho e da vaidade,

Estes seres doloridos,

Fizeram de suas vidas

Pelo livre arbítrio da alma,

Seu inferno, sua mágoa,

Suas lágrimas, seu castigo.

 

― Apenas suas consciências

Os põe neste sofrimento!

O remorso ao ver perdido

O tempo de suas vidas!

Mas agora, enquanto choram,

Liberam seus sentimentos.

E se arrependem! Por isso

Nova chance, nova vida,

Será por fim concedida

Para então se redimirem.

 

― A Lei da Causalidade,

Tão sublime e verdadeira,

Atrela a seus destinos

O Carma que foi traçado.

Mas outra oportunidade

Renova os votos que um dia

Juraram cumprir na Terra.

É a grandeza de Deus

Manifesta na benção

Maior da reencarnação.

 

― Cada alma que procura

Sair destas ânsias vãs,

Vai à busca de virtudes,

De paz profunda e Amor.

Aprende na alquimia

Que purifica seu íntimo,

Que a dor também é cadinho.

Fusão de Alma e Amor

Trazem a felicidade

Da esperança e dos sonhos.

 

― É preciso que no íntimo

Cada ser que evolui,

Sinta a grande verdade

Que se mostra nas lições.

Deus é o maestro que rege

Com as leis da natureza,

A orquestra universal.

Mas não se esquece de nada,

Seja homem ou animal,

Vegetal ou mineral.

 

Nesta cidade de dores

Só ficam os arrependidos.

Os que lavaram em lágrimas

Sinceras do coração,

Os erros já cometidos.

O remorso os guiará

Para nova chance, talvez.

Aqui eles pedem perdão

E vão receber justiça

Na bênção da nova vida.

 

Vão ter oportunidades

De resgatar suas faltas.

Porém, muitos se perdem

No rumo de seus caminhos.

O sofrimento de agora

Breve será esquecido.

E a nova oportunidade

Transformar-se-á em dívida,

Que somada a outras dívidas

Formam o Carma do homem.

 

Somente pela virtude

Poderão ser ressarcidos

No tempo do vir-a-ser.

Por grande amor ao próximo,

Nas bases da Caridade,

Construirão uma aura

Mais luminosa e sadia.

Isso trará melhor sorte,

Menos débito, mais haver,

Na conta que vão prestar.

 

E assim falou o Anjo,

Pousando-me novamente

Na cadeira onde a prece

Eu elevara ao além.

As lágrimas escorriam

Pelo meu rosto marcado.

Não seria mais o mesmo

Pois tinha visto com a alma

A dor e a consolação

Que carregamos na vida.