Dias D’Ávila.
Por Fernando Gimeno (Fergi Cavalca)
Introdução
Depois de vinte e sete anos da emancipação do município de Dias D’Ávila, a memória dos fatos vai ficando cada vez mais, distante, fraca e perdida, nos meandros do passado.
Hoje temos apenas três pessoas na cidade que participaram efetivamente de todo processo emancipatório que se arrastou por mais de cinco longos e exaustivos anos. Tempo árduo nos quais os ativos e incansáveis heróis da Sociedade Amigos de Dias D’Ávila percorreram os gabinetes e repartições do governo alisando os bancos do poder atrás do sonho de criar uma cidade, provando dessa forma, que sonhos podem, sim, transformar-se em realidade.
E por esse feito, após legarem para a posteridade uma cidade que se encontra entre as grandes estrelas da constelação baiana, em lugar de reconhecimento recebem críticas, ataques e difamações de alguns que teimam em ver na emancipação material de segunda, cuja finalidade serve, apenas, para suprir seus anseios políticos. Ainda bem que isso surge através de uma minoria que se apoia em posicionamentos pessoais; pensamentos, aliás, que toldam a visão tal e qual os antolhos o fazem com azêmolas teimosas.
O pior é que essas críticas vêm na maior parte, através de pessoas que não residiam por aqui naquela época... ou que residiam, mas por opção ou omissão não participaram... e outras, ainda, que inventaram estórias a seu bel prazer a fim de modificarem a história para que essa lhes seja conveniente e caiba dentro de seus incomensuráveis egos, pois como diz o jargão popular “o invejoso emagrece de ver a gordura alheia”.
Como sou um dos remanescentes junto com Gilson Galvão de Souza e José Osmar Muricy Sampaio, propus-me a contar aquilo que sei do processo do qual participei ativamente desde o seu principio até o desfecho final. Farei, então, um breve relato; mas para isso preciso voltar no tempo a fim de estabelecer uma linha que nos dê a possibilidade de revermos as origens de nosso município.
Primórdios
No século XVII, adentrava-se para o interior baiano através da localidade denominada “Portão”, na divisa dos municípios de Camaçari e Lauro de Freitas, na foz do rio Joanes; este nome persiste até os dias de hoje.
Desse ponto saiam expedições, entradas e bandeiras organizadas para procurar ouro, pedras preciosas ou, ainda, “caçar” índios para escravizá-los; era o ponto de partida também, dos grupos religiosos de catequese, quase sempre formado por jesuítas que aventuravam-se à procura de tribos para convertê-las à fé cristã.
A “Casa da Torre” castelo medieval trazido de Portugal pedra por pedra e rejuntado com argamassa feita de conchas calcárias e óleo de baleia pertencia ao português Garcia D’Ávila; este aportou na Bahia integrando a comitiva de Tomé de Souza, o primeiro Governador Geral do Brasil, em 1549. Garcia D’Ávila foi nomeado almoxarife da Coroa, recebendo terras na península de Itapagipe, onde construiu um curral para abrigar o gado que iria abastecer a cidade do Salvador; toda distribuição de carne, leite e laticínios era originária de seus rebanhos; como não podia deixar de ser, Garcia D’Ávila enriqueceu enormemente nesta atividade, tornando-se uma das maiores fortunas da colônia que transmitiu à sua descendência.
A raiz genealógica mais antiga no Brasil, segundo o site oficial www.casadatorre.org.br provém da prole de Diogo Álvares Caramuru e Catarina Paraguaçu. Ele, segundo a lenda, um náufrago adotado pelos índios que o temeram devido a um tiro de arcabuz, conforme se aprende na escola; ela filha de um cacique tupinambá, foi batizada no ano de 1528 em Saint-Malo (França), com o nome cristão de "Katherine du Brézil" (Catarina do Brasil), tendo como madrinha Catherine des Granches, esposa do Cap. Jaques Cartier, o descobridor do Canadá.
Da saga de Caramuru originou-se a primeira família brasileira documentada; essa família entrelaçou-se na progênie de Garcia D'Ávila com a índia Francisca Rodrigues e na sucessão de Jerônimo de Albuquerque com a índia Muira-Ubi, batizada como Maria do Espírito Santo Arcoverde. Seus herdeiros e sucessores vincularam-se à nobreza dos Pereiras e dos Marinhos, aos descendentes de Domingos Pires de Carvalho casado com Maria da Silva, à geração de Felipe Cavalcanti casado com Catarina de Albuquerque e com a descendência do casal José Pires de Carvalho/Tereza Vasconcellos Cavalcanti de Albuquerque Deus-Dará, dando origem a boa parte da população nordestina e a algumas das mais importantes famílias da Bahia e do Brasil, com prolongamentos nas cortes europeias e na Casa Imperial Brasileira.
Como exemplo, desse entrelaçamento com a coroa vemos no século XIX, Joaquim Pires de Carvalho e Albuquerque, que na época da Independência do Brasil recebeu de D. Pedro I o título nobiliárquico de primeiro e único Visconde de Pirajá pela sua participação como comandante das forças da resistência baiana ao domínio Português. Ao mesmo tempo seu irmão Antonio Joaquim Pires de Carvalho, morgado do Castelo da Torre, foi agraciado com título de Barão da Torre. Uma curiosidade interessante: as duas principais avenidas do famoso bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro, chamam-se Barão da Torre e Visconde de Pirajá.
A “Casa da Torre” expandiu-se e virou um imenso feudo, talvez o maior latifúndio do qual se tenha notícias no Brasil; sua saga encontra-se descrita por vários historiadores brasileiros, principalmente Pedro Calmon, que relata a história da família D’Ávila e de seus descendentes.
Este castelo situava-se em um promontório dominando o mar na ponta de Tatuapara que ficou conhecida, em sua homenagem, como a Praia do Forte, nome que perdura até hoje fazendo parte do município de Mata de São João.
Já naquela época e durante todo o século XVII, os jesuítas que se internavam no sertão para a catequese indígena, precisavam de um local agradável de descanso; um local onde as forças para as difíceis viagens eram refeitas, geralmente antes da entrada para o inóspito sertão. Muitos não voltavam vítimas dos inúmeros perigos e doenças a que se expunham em tal aventura. O local preferido para esta prática de repouso denominava-se Capuame, às margens do riacho Imbassay, um dos tributários do rio Jacuípe, dentro do feudo pertencente aos Ávila.
Ali, devido à excelente qualidade das águas e das lamas daquele arroio que, já naquela época revelavam suas propriedades curativas e medicinais, floresceu o povoado de Santo Antonio do Capuame — Segundo o próprio Pe. Camile Torrend, estas propriedades curativas das águas do Imbassay já constavam de antigos documentos do acervo jesuíta que pode ser, talvez, encontrado em prateleiras esquecidas do Colégio Antônio Vieira, em Salvador — que passou a ser um itinerário muito usado pelas comitivas que se aventuravam através do sertão.
Este arraial, mais tarde tornou-se parada obrigatória e era lá que os boiadeiros chegados do interior trazendo o gado, principalmente as reses de propriedade da “Casa da Torre” com destino aos currais de Itapagipe, descansavam da extenuante viagem; com frequência realizava-se no arraial negócios de compra e venda. Isso estabeleceu um comércio, ou melhor, uma feira; nela animais que iriam suprir o mercado de carne de todo o litoral baiano eram vendidos, comprados ou trocados; muitas mercadorias do sertão eram negociadas, tornando-se a feira local importante para a economia regional e intensamente procurada por fazendeiros tanto para adquirir como para vender suas reses. No inicio do século XIX, o arraial passou a se chamar “Feira Velha do Capuame” ou, simplesmente, “Feira Velha”.
Essa “Feira Velha” desempenhou importante papel nas guerras da independência, justamente por causa do comércio de gado; a vila era um ponto importante para o planejamento e apoio das valorosas tropas brasileiras favoráveis ao Imperador e que iam combater os portugueses; por conta de sua posição privilegiada impediu o abastecimento da capital deixando as tropas do general português Madeira de Melo sem carne e outros tantos produtos que passavam por aquele sítio estratégico. Com isso a vila contribuiu, e muito, com a consolidação da independência. Esse boicote de gêneros de primeira necessidade enfraqueceu e debilitou o exercito português, possibilitando a vitória brasileira e a consolidação de nossa independência, visto que, por mar, João das Botas e sua frota de saveiros fustigavam os lusitanos que ficaram à míngua passando privações pela escassez de gêneros alimentícios. Foi neste período que surgiu a figura de Santos Titara, nascido na Feira Velha e autor da letra do “Hino ao Dois de Julho”, composição que se tornou o Hino Oficial da Independência da Bahia.
Dias D’Ávila
Em 1927, por sugestão do historiador baiano Francisco Borges de Barros (que também foi o fundador e primeiro Grão-Mestre da Grande Loja Maçônica da Bahia), presidente do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia foi sugerida uma troca de nomes para a vila; Borges de Barros, que desde 1923 apresentara uma detalhada exposição de motivos para permuta, conseguiu seu intento quatro anos após, através de um projeto de lei apresentado à Assembleia Legislativa através do deputado Adelmário Pinheiro.
Feira Velha passa, então, a chamar-se Dias D’Ávila em homenagem a Francisco Dias D’Ávila, bandeirante e morgado da “Casa da Torre”. Francisco Dias D’Ávila, neto de Garcia D’Ávila, filho de Isabel D’Ávila e Diogo Dias foi, segundo se conta, intrépido bandeirante que descendia de Caramuru pela linha paterna, realizou muitas das ambições do seu avô, então já velho e doente. Em testamento feito no ano de 1609 e que se encontra no Arquivo Público do Estado da Bahia, Garcia D’Ávila arrolou os vastos domínios que possuía, enumerando terras que vão de Tatuapara aos vales do Tariri, Jacuípe e Itapicuru até Sergipe de El-Rei e, segundo alguns documentos estendeu os domínios da “Casa da Torre” até as fronteiras do Piaui, criando o maior latifundio que se tem noticia na história do Brasil. Referindo-se a ele, Pedro Calmon afirma que “tangeu as pontas de gado do Itapicuru para o médio São Francisco. Fez do boi seu soldado. Os outros sertanistas se apossavam do país com tropas de guerrilheiros, ele o empalmou com suas boiadas. O rebanho arrastava o homem e, atrás deste a civilização”.
Pe. Camile Torrend
Durante os anos 40 do século XX, chegou a Dias D’Ávila o jesuíta Francês, botânico e naturalista, padre Camile Torrend. Misto de cientista e religioso ele interessou-se muitíssimo pela geografia da região, estabelecendo-se na vila de Dias D’Ávila que, naqueles tempos pertencia ao município de Mata de São João. O padre Torrend, como era conhecido, classificou inúmeras espécies botânicas nativas ainda não ordenadas cientificamente; em suas investigações, reparando nas propriedades medicinais do rio Imbassay, convenceu-se de sua propriedade terapêutica e, ao consultar antigos alfarrábios dos jesuítas do século XVII, ajuntou informações sobre as águas do rio, coletando-as e enviando-as para a França a fim de serem analisadas em laboratórios europeus. O laudo trouxe o que ele esperava: As águas de Dias D’Ávila tinham propriedades minerais e medicinais, com qualidade superior à de Vichy, uma das mais afamadas do Velho Continente. Isto transformou a vila em local especial de veraneio e estação de águas, tornando seu nome famoso em toda a Bahia e em vários outros estados brasileiros.
Dias D’Ávila constituiu-se, a partir daí, em um balneário dos mais conhecidos e agradáveis e, por sua localização privilegiada perto da capital, encheu-se de belas chácaras nas quais os veranistas vinham descansar da labuta estressante do trabalho na cidade grande.
O trem que trazia na manhã de domingo, os visitantes de Salvador era chamado pelo povo de “Pirulito”, um apelido carinhoso, já que os ambulantes transitavam pelos seus vagões e anunciavam, em algazarra, suas vendas: “olha o pirulito, olha o pirulito”... e ofereciam o doce caramelizado e envolto em papel de seda. Todos compravam e o “Pirulito” chegava transportando centenas de turistas e veranistas... na volta, após o agradável passeio, levava o povo em regresso à estação da Calçada; os passageiros carregavam suas garrafas e garrafões de água e seus embrulhos contendo a lama, as famosas argilas de coloração preta ou branca, cada uma delas usada em um tipo de terapia, principalmente doenças de pele. As “lamas” medicinais eram famosíssimas em toda a Bahia e em vários outros estados.
A Estância
Em 1962, durante o governo Lomanto Junior, Dias D’Ávila foi elevada à categoria de Estância Hidromineral, com as prerrogativas que este título conferia às localidades que o possuíam, ou seja, uma relativa independência do município sede.
Na época Dias D’Ávila já pertencia a Camaçari após desmenbramento de Mata de São João; naquele tempo, não havia mais do que três a quatro mil habitantes na Estância! Ela era um lugar calmo e próprio para se passar agradáveis férias de verão; não tinha nenhuma infraestrutura, mas quem vinha usufruir de sua tranquilidade não se preocupava com isso. Os moradores locais viviam de trabalhos em função da estância, como caseiros, aguadeiros (que ofereciam água nas residências transportadas em lombo de jegue) ou serviços intermediários. A população quase dobrava com vinda dos veranistas, proprietários das agradáveis vivendas que se espalhavam na estância. E muitas dessas famílias estendiam sua estadia pelos meses de verão ou mais. À noite o povo sentava-se em cadeiras pela calçada, em gostosos “bate-papos” e tocava-se violão em serenatas, principalmente nas noites enluaradas. A estância era bucólica e deliciosa, apesar de não ter nenhum dos benefícios modernos que a época oferecia. Mas era justamente a tranquilidade e a busca pela saúde as suas principais atrações.
Na década de 60 foram construídos o Hotel Balneário e a fabrica de “Água Mineral Dias D’Ávila”; o hotel, com bangalôs, piscina semiolímpica, sauna, salão de jogos, quadra de futsal e outras comodidades, oferecia excelente estrutura turística. Hoje sentimos imensa pena ao vermos suas dependências próximas ao estado de ruína e, praticamente sem serventia. A fábrica possuía um belo parque ajardinado, uma gruta com uma imagem de Nossa Senhora e uma churrascaria. Todo esse patrimônio construído através do grande cidadão diasdavilense Carlos Gagliano. O parque, atualmente, está abandonado e tomado pelo mato e a churrascaria foi depredada e encontra-se em ruínas.
Alguns aspectos da cidade antes da emancipáção
Agencia do correios, na feira.
Balneário
Posto médico, hoje Hospital Dilton Bispo de Santana
Praça ACM
Avenida Raul Seixas esquina com rua Raimundo Tabireza
A emancipação
Com a chegada do Polo Petroquímico de Camaçari, a estância hidromineral foi perdendo espaço e importância, pois os boatos de poluição e, principalmente “invasão” por pessoas de fora quebrando a tranquilidade da vila, grassavam entre os veranistas e proprietários de chácaras da estância. Isto trouxe desconforto, também para os moradores que viam a população aumentar indiscriminadamente e a vila perder a qualidade de vida que era a sua marca registrada. Esse aumento populacional trouxe uma carência efetiva, principalmente nos serviços públicos principais, o que gerou insatisfação com a administração municipal de Camaçari.
As belas chácaras começaram a ser alugadas como “repúblicas” para abrigar os “peões” que chegavam para trabalhar nas inúmeras empreiteiras prestadoras de serviço para a construção do Polo Petroquímico. Vieram também imigrantes, ocupando cargos de chefia, provenientes de outros estados e regiões; estes chegavam com suas famílias e se deparavam com uma vila que não cumpria mais seu papel bucólico de estância e, ainda por cima não possuía qualquer opção de abastecimento, armazéns, farmácias, comércio especializado, butiques e outras lojas de conveniência que propiciam qualidade de vida a uma localidade. Não havia água encanada, nem telefone... as compras, em geral, dependiam de Salvador... colégio para os filhos era muito deficiente, não havia segundo grau, somente um posto de saúde completamente desaparelhado e ineficaz, com escassez de médicos... de professores... Enfim, Dias D’Ávila era bucólica quando se prestava ao veraneio, mas abandonada pela administração municipal quanto aos moradores... um distrito cuja a sede também passava por problemas semelhantes aos seus. Por isso tinha dificuldade em fixar aquelas pessoas que estavam chegando; a maioria optava por morar em Salvador, mesmo tendo que viajar por uma estrada perigosíssima, como a BR 324, naquele tempo com apenas uma pista e chamada “a rodovia da morte”.
No final dos anos 70 e inicio dos 80, surgiu na estância uma associação de moradores, denominada Sociedade Amigos de Dias D’Ávila, formada por cidadãos que queriam, além de trazer benefícios vários para a vila, promover a emancipação política e administrativa do município; o objetivo era transformar Dias D’Ávila em uma cidade próspera e independente da administração de Camaçari. Integravam essa Sociedade, os seguintes moradores: Dr. Mozart da Cunha Pedroza, falecido; Professora Altair da Costa Lima, falecida; Lucas Evangelista dos Santos, falecido; professor Batista Neves, falecido; deputado Clodoaldo Campos, falecido, Flávio Cavalcante de Oliveira, falecido; Mário dos Santos Padre, falecido; professora Laura Folly, (?); Fernando Gimeno, José Osmar Muricy Sampaio e Gilson Galvão de Souza; estes três últimos os remanescentes vivos da Sociedade Amigos de Dias D’Ávila residentes na cidade; Sem nenhuma dúvida a Sociedade foi a grande antena captadora dos anseios populares pela emancipação. Esse desejo estava latente no povo, embora não aflorasse dele à primeira vista.
No início dos anos 80 havia um administrador da estância ligado ao governo do estado. A prefeitura de Camaçari, através do Secretário de Planejamento, José Mascarenhas, confinou a estância situando-a, geograficamente, com apenas duzentos metros a partir da margem do rio. O resto pertencia ao distrito. Essa situação esdrúxula mostrava discrepâncias tais como situar a varanda do Hotel Suez na estância e sua cozinha no distrito. Isto gerava também dois administradores: um do estado que só governava os duzentos metros e outro municipal para o restante do distrito. No exemplo do Hotel, como piada dizia-se que um administrador cuidava da varanda e outro da cozinha!
A luta pela emancipação da vila, não foi fácil! O primeiro obstáculo, conforme falei acima, veio com a falta de interesse que muitos moradores demonstravam pela emancipação, visto tratar-se de uma população onde mais de oitenta por cento era flutuante, formada por trabalhadores do Polo que vieram para passar pouquíssimo tempo e sem a vontade de criar raízes. Alguns riam, argumentando que Camaçari jamais abriria mãos do distrito e que lá corria dinheiro e dinheiro é que é importante, já que a sede começava a auferir os ganhos oriundos de suas indústrias.
Numa reunião que participei, o prefeito Humberto Ellery, quando arguido sobre a emancipação, declarou:
— Meu caro Fernando, todo o filho quando chega aos dezoito anos quer ter vida própria e, por isso contesta os pais; mas não tem emprego nem dinheiro e, portanto, depende da família e não pode sair de casa. Dias D’Ávila é esse filho!Não tem recursos! A cidade começa no Entroncamento e termina na linha do trem; portanto não tem dinheiro. Uma pena!
Agradeci seu comentário, mas contestei-o dizendo que “apesar de tudo continuaria a lutar pela emancipação, pois preferia ser cabeça de rato a rabo de leão”.
De 1979 a 1984 foram cinco anos de muito trabalho, decepções, vitórias e derrotas! Algumas vezes chegamos a desanimar, mas o otimismo de Mozart nos contagiava e recuperávamos as forças e continuávamos a luta! Nesse período tivemos muitas reuniões, principalmente eu, Mozart, Lucas e Gilson; nós formávamos o núcleo mais interno da Sociedade e nos juntávamos, praticamente, em todos os finais de semana! Eram longas horas de conversas e tentativas de encontrar estratégias capazes de nos dar um alento renovador das esperanças. Cada semana havia um fato novo, uma expectativa, uma probabilidade de alcançar o objetivo, mas o tempo passava e nossos castelos ruíam um atrás do outro.
A romaria pelos gabinetes em busca de apoio e de condições econômicas para o pretenso município, marcaram os momentos dramáticos pelo qual passou a Sociedade Amigos de Dias D’Ávila e seus membros. A negativa governamental dizendo que “o polo era intocável e pertencia a Camaçari” tornavam inviáveis os objetivos dos Amigos de Dias D’Ávila; isso também estava atrelado à má-vontade dos políticos, principalmente os aliados de Ellery que não viam com bons olhos tal escolha. Mas isso não esmoreceu aqueles valorosos idealistas que pretendiam envidar todos os esforços para concretizar seu sonho.
Cumprindo a ordem governamental de deixar o Polo Petroquímico para Camaçari, começou a formar-se no âmago da Sociedade a ideia de anexar ao município a Caraiba Metais que estava sendo construída com intento de criar-se o polo do cobre. As opiniões da época consideravam tal empresa uma utopia. E aí foi de grande valia a opinião do Dr. Raimundo Brito, que era o presidente da estatal que, com grande boa-vontade nos recebeu e incentivou atestando que a Caraiba renderia em ICMS uma quantia superior de um milhão de dólares mensais. Isso foi em 1983.
Sabido isso, o segredo precisava ser e foi, guardado a sete chaves; o grupo interno apressou-se a mapear a região e ratificar os limites do município para incluir a Caraíba em seu território. Feito isso o grupo apressou-se a procurar o IBGE para definir as marcas limítrofes, com Camaçari, Mata de São João, Simões filho e São Sebastião do Passé. Como se pode perceber, era uma tarefa complicadíssima, envolvendo vários municípios; e tudo isso sem deixar que a prefeitura de Camaçari percebesse a manobra.
E foi assim que alguns dos “Amigos” assumiram a responsabilidade dessa ratificação e de percorrer a região determinando as fronteiras da futura cidade. A tarefa comportava muitos cuidados! Havia diversos interesses políticos e econômicos em jogo! Até hoje existem críticas e insatisfações — principalmente de pessoas que não participaram do processo e, portanto, não o conhecem — sobre o porquê do município não ter ficado com alguma praia, um pedaço da orla ou mais indústrias... Mas, o que ninguém sabe, é que a Sociedade Amigos de Dias D’Ávila precisou trabalhar em surdina, à socapa, em silêncio absoluto, tal a preocupação em não deixar extravasar as suas intenções para os assessores de Ellery.
Muitos dos deputados que votariam a ratificação dos limites possuíam lotes na Estrada do Coco (que ainda não existia) e interesses na orla ligados a Camaçari. A Goes-Cohabita era detentora de grandes áreas destinadas à investimentos imobiliários para quando a estrada ficasse pronta. Qualquer vacilo na delimitação da área provocaria a não aprovação do projeto, que deveria, por sua vez, despertar o mínimo rumor na opinião pública. Caso Camaçari “sequer sonhasse” com o que estava sendo feito sem o seu conhecimento, iria por água abaixo qualquer fantasia de emancipação. O prefeito Humberto Ellery, na época biônico e ligado ao comando militar da revolução, ele próprio pertencente às forças armadas, correligionário do governador ACM, estava no poder havia doze anos, pois não existia eleição em áreas de segurança nacional; ele não tinha a mínima intenção, é lógico, de deixar Dias D’Ávila libertar-se do jugo de Camaçari; na época a prefeitura mantinha uma íntima parceria com o governo e com a Assembleia Legislativa, pois o plano-piloto que contemplava as cidades circunvizinhas ao Polo Petroquímico estava sendo elaborado pelo COPEC (hoje SUDIC), órgão do governo estadual; o departamento jurídico da prefeitura prestava atenção aos mínimos detalhes que pudessem prejudicar a cidade, que se tornaria a grande potência de hoje, abrigando a maior obra já realizada no estado: o Polo Petroquímico.
Era a luta do tostão contra o milhão! O poder público estabelecido, sem intenção de abrir mão de seus interesses, contra um punhado de homens ousados imbuídos de um sonho, sem respaldo político ou econômico! O projeto da ratificação, depois de elaborado pela Sociedade Amigos de Dias D’Ávila e ser registrado no IBGE, entrou na Assembleia Legislativa pelas mãos do falecido deputado Clodoaldo Campos, a quem nosso município muito deve. Ele foi, na verdade, um dos poucos políticos que nos apoiou nessa luta. O projeto não incluía em seu bojo nenhuma praia! E tampouco qualquer pedacinho de terra capaz de suscitar uma polêmica e barrar o escopo final. Infelizmente o deputado Clodoaldo Campos, que era do PMDB — naquela época só existia cinco partidos, PDS, PMDB, PDT, PTB e PL — disputou as eleições de 82 concorrendo ao cargo de suplente de senador na chapa de Waldir Pires e foi derrotado. Portanto não retornou à Assembleia Legislativa, mas teve o cuidado de passar ao seu colega Nestor Duarte, o líder do PMDB, o projeto que ratificava os limites e criava o município de Dias D’Ávila.
Nestor aguardou o melhor momento e, quando o presidente da Assembleia, deputado Luiz Eduardo Magalhães, precisou de um acordo de lideranças para aprovar matéria do interesse de seu partido, o PDS, procurou Nestor Duarte para uma composição e este, em contrapartida, solicitou a aprovação do projeto de ratificação dos limites de Dias D’Ávila. Sem relutância, pois o empenho do presidente no momento estava centrado no projeto que provocara a tentativa de acordo, ele aceitou. E assim foi aprovada a ratificação de limites e criação do município por um simples acordo de lideranças e sem ir a plenário! Apesar de alguns deputados tentarem criar obstáculos reclamando inconstitucionalidade, o presidente, que tinha a necessidade do apoio da oposição e a autoridade conferida por seu pai, à época grande expoente político da Bahia, defendeu com veemência a aprovação solicitada por Nestor Duarte.
Faltava a publicação em Diário Oficial e a marcação do plebiscito. Isso foi conseguido graças a interferência do deputado Jairo Carneiro, na época chefe de gabinete e braço direito do governador João Durval, recém eleito; ele enviou o texto da Lei para o Secretário de Comunicação, Aderbal Figueiredo, natural de Mata de São João, que o publicou imediatamente.
No dia 23 de junho de 1984, véspera de São João, foi editada em Diário Oficial, e lida na praça principal, onde se realizava uma festa, a Lei que ratificava os limites da cidade e criava o município, incluindo a fabrica Caraíba Metais, gigante multinacional (na época estatal) da produção de cobre, que dava sustentação financeira e viabilizava a emancipação. O prefeito Humberto Ellery não poderia fazer mais nada, a não ser reunir seu gabinete e passar uma refinada descompostura em seus secretários por terem “dormido no ponto” em relação ao distrito.
O plebiscito foi marcado para o dia 25 de Novembro do mesmo ano de 1984, um domingo. Dias D’Ávila possuía em seu cadastro eleitoral três mil e quinhentos eleitores. A maior parte desses eram moradores de Salvador, veranistas que possuíam chácaras, algumas abandonadas... outras alugadas; muitos já haviam falecido; outros teriam voltado à sua terra natal. Eram necessários 50% dos votos mais um, ou seja, mil setecentos e cinquenta e um votos. Era difícil! Nesse período Mario Padre emprestou-me duas bocas de alto-falantes, aqueles cornetões de ferro antigos, que montei sobre a capota de meu Fiat 147 e saí pelas ruas pedindo votos. Realizamos mais de 50 reuniões nas esquinas, dentro de galpões, nos bairros... mas afinaml conseguimos conscientizar a população e onde antes havia resistência passamos a contar com poderosos aliados.
A prefeitura de Camaçari, sabedora dessa dificuldade colocou, no dia marcado para votação, alguns ônibus gratuitos e um churrasco patrocinado por ela em Guarajuba, para quem quisesse participar do “domingo na praia”. A partida foi programada para antes do inicio do pleito. Como sabemos a eleição para plebiscito local não é obrigatória e, com isso, os prepostos de Camaçari esperavam um esvaziamento e, consequentemente, insuficiência do “quorum” para aprovar a emancipação.
A juíza eleitoral, Dra. Marielza, de Camaçari, tentou colocar inúmeros obstáculos para a votação, entre eles a negativa ao eleitor de poder exercer o voto com a carteira de identidade; isso quase foi o golpe de misericórdia para as pretensões da Sociedade, pois muitos dos eleitores não possuíam o título. Mas a Sociedade reagiu e o advogado Mozart Pedroza, juntamente com seu colega Renato Franco, ligou para o presidente do TRE, desembargador Ruy Trindade que, apesar de estar passando o seu domingo em lazer, mandou chamar a juíza ao telefone (naquela época não existia celular e isso ocorreu no QG, na padaria de Gilson, hoje Dias D’Ávila Delicatessem) e passou-lhe uma descompostura autorizando o uso da carteira de identidade. Esse fato “salvou” a emancipação.
A mobilização de vários moradores foi grande! Tenho medo de citar nomes e ser injusto, esquecendo alguém; mas não podemos deixar de mencionar algumas pessoas que se desdobraram na trabalhosa lide e na ajuda. Além dos “Amigos de Dias D’Ávila” tiveram grande atuação no dia do plebiscito, os seguintes: Serrador e sua mãe, dona Todinha; Assis; Hélio Pozzi; Beth Silva; a Loja Maçônica Joir Brasileiro, hoje Colunas do Rio Imbassay; Justino Francisco; Geraldo Cordeiro; Edmundo Magalhães; o incansável Carlos Deiró; Moacir Duarte; Augusto Guiotti e o grupo GIF... e tantos outros que demonstraram o espírito de luta com o qual estava imbuída a população local. Os carros movimentavam-se pegando eleitores em todos os lugares, doentes, grávidas, banhistas no rio, frequentadores dos bares e botecos, gente que jogava dominó... Às 16 horas, quase no fim da votação ainda faltavam muitos eleitores e estava muito difícil cumprir o quorum. Num esforço hercúleo, fechou-se o número de votantes em mil setecentos e setenta e cinco eleitores, que compareceram e votaram; apenas vinte e cinco a mais do que o mínimo necessário.
A contagem das cédulas deu-se logo após, na OCAFI. Obteve-se o quorum pela margem descrita com apenas dezesseis votos contrários. Foi uma das maiores emoções de já que participei! Muitos choraram... vários discursaram... Hoje, depois de vinte e sete anos observo os grupos políticos loucos para conseguirem estabelecer-se no poder, atacando aqueles que trabalharam por esse importante desfecho e que, bem ou mal, deixaram uma cidade, hoje entre as maiores da Bahia, para seus filhos, sua família e para o futuro. Não os questiono de minha parte e nem quero gratidão pelo que fiz, mas àqueles que já partiram para o Oriente Eterno dever-se-ia, pelo menos “in memoriam” serem exaltados pelos que compõe, principalmente, as gerações mais jovens. Mas infelizmente não é isso que vemos. A Câmara, que levou vinte e cinco anos para fazer a primeira homenagem aos “remanescentes” e tão pouco tem contribuído, deveria, quando nada agraciá-los com o seu nome nas ruas e praças da cidade que ajudaram a fazer; mas, mesmo assim, quando nomeia-se uma rua — caso raro — com seus nomes, imediatamente acorre um batalhão de detratores que nunca estiveram presentes na história para denegri-los e atacá-los.
Homenagem da Câmara aos três remanescentes, José Osmar Muricy,
Fernando Gimeno e Gilson Galvão de Sousa, em 25 de fevereiro de 2010.
Pós-emancipação
No dia 25 de Fevereiro de 1985, ou seja, no ano seguinte e três meses após o plebiscito, foi promulgada a Lei que emancipava o município de Dias D’Ávila. Antes disso, a Sociedade Amigos de Dias D’Ávila — sempre ela — conseguiu através do desembargador Mário Albiani, incluir o nome da cidade na reforma do judiciário que se realizou em dezembro de 1984, elevando a cidade à comarca. Portanto uma curiosidade: Dias D’Ávila já nasceu comarca, pois a sua indicação se deu antes da publicação da lei, em fevereiro de 1985. Anteriormente a Sociedade Amigos de Dias D’Ávila já havia conseguido a instalação da 25ª DP, tendo, por isso, sido a responsável por toda a implantação da parte política (executiva), administrativa (legislativa), judiciária e policial do município. E mesmo assim ainda não conseguiu agradar a alguns!
Espero que daqui para frente não venham mais com argumentos de que “devia ter mais industrias... ou devia ter uma praia”. Só fala isso quem recebeu a cidade de ‘mão beijada’ e não teve qualquer esforço para libertá-la. Críticas são muito bem vindas, principalmente quando incluem sugestões inteligentes para acrescentar algo, dentro de possibilidades reais e não especulações descabidas de lógica ou coerência. Abóboras genéricas como, por exemplo, “deveriam esperar para fazer a emancipação em outros momentos para ter mais indústrias”, ou “porque não pegaram outras fábricas e dividiram o Polo?” ou ainda “ah, ficamos sem nenhuma praia...”, poderiam até ser feitas, se viessem como contribuição para tentarmos algo no futuro; nunca, entretanto como cobrança pejorativa à memória daqueles que não mediram esforços na luta para construir uma cidade cidadã. Na verdade é uma falta de inteligência achar que se poderia dividir o Polo, repartindo-o com Camaçari. Ai já deixa de ser inocência.
Não quero louros sobre minha cabeça, mas quero o reconhecimento pelos heróis que partiram para o além, após tanta luta, muitas vezes sob o sorriso de escárnio daqueles que não ergueram suas sagradas “bundas” das cadeiras de sua inutilidade. Desculpem-me o desabafo, mas era importante fazê-lo para que fique registrado que, por problemas exclusivamente políticos, queiram manchar a memória póstuma dos que lutaram.
Isso serve de alerta ao povo para que reconheça a história de seu município sem a “inhaca” que advém das hostes alienadas do seu passado e, portanto, descompromissadas com o seu futuro.
Aspectos de solenidades pós-emancipação:
Dr. Mozart Pedrosa proferindo discurso em seção solene no 1º aniversário de Dias D’Ávila e, ao lado, o Prof. Fernando Gimeno;
A primeira-dama Tina e a profª Laura Folly;
Hasteamento da bandeira no primeiro aniversário com Ayrton e Ditinho;
Sessão solene na Câmara durante o 1º aniversário da mancipação
Lançamento da pedra fundamental da AMNDA
lançamento d’O Imbassai, o primeiro jornal de Dias D’Áveila,
Finalizando: Nesse mesmo ano, 1985, o Congresso Nacional extinguiu as eleições indiretas nas estâncias hidrominerais, nas áreas de segurança nacional e nas capitais, marcando-se para 15 de Novembro o pleito para a escolha dos prefeitos e vereadores; seria um mandato curto, de três anos.
Airton Carlos Nunes, falecido, que já havia sido administrador da estância foi eleito primeiro prefeito de Dias D’Ávila. A ele de seguiram até hoje: Dilton Bispo de Santana (falecido antes de terminar o mandato e substituído pelo presidente da Câmara, Claudio Cajado Sampaio, por motivo de seu vice-prefeito ter sido vítima de doença, vindo também a falecer; Claudio ficou no mandato por sete meses); Andréia Xavier; Américo Maia, por dois mandatos consecutivos; Andréia Xavier, por dois mandatos (ainda em curso o segundo).
Espero ter contribuido com o relato que agora apresento para sanar algumas dúvidas e esclarecer outros fatos. Coloco-me à inteira disposição de qualquer pessoa para esclarecimentos maiores, desde que sejam motivados por um sentimento nobre e profícuo. Os que quiserem atacar a Sociedade Amigos de Dias D’Ávila ou promover-se à custa do trabalho alheio, prefiro que fiquem com suas opiniões e, para o futuro, tratem de trabalhar para não perderem o bonde da história. Torna-se de muito mau-gosto desdenhar um fato realizado por outrem como se fosse banal; lembra-me a fábula da raposa e das uvas: “estão verdes”!
A todos os outros deixo aqui meu e-mail: gimeno1947@gmail.com e meu telefone 71 9168-2485 para qualquer pergunta. A todos os diretores de colégio, professores ou estudantes, presidentes de Associações ou Grupos, Conselhos Comunitários e outros segmentos sociais, coloco-me à disposição para eventuais palestras, bastando para isso agendar o local, o dia e o horário.
Obrigado,
Fernando Gimeno